Filmes de terror: uma história de amor?

Juliana Auler
7 min readJan 14, 2022

O ano é 2021, que não, não foi um ano parado para essa pessoa que vos escreve. Mas resumindo bem, uma das grandes coisas foi que eu conseguir começar a ter uma relação de mais paz comigo mesma. E nesse processo a gente acaba se conectando com coisas que a gente realmente gosta, que fazem sentido e não aquelas coisas que a gente vai fazendo para agradar os outros. E um desses resultados, o que mais quero compartilhar, é que resolvi me reconectar com um amor antigo: os filmes de terror. E aqui não estamos falando só do terror mais “elevado” tipo Ari Aster.

Os filmes de terror chegaram na minha vida por volta dos 11 anos, o primeiro deles foi O Chamado (e olha que o telefone tocou assim que terminei de ver, só quem cresceu com telefone fixo vai entender essa). Apesar do desconforto inicial, posso dizer que gostei. Depois fiquei obcecada pelo Grito (pela versão estadunidense, para vocês terem uma noção). Teve Coraline também que digo e repito que é um dos filmes mais pavorosos que eu já assisti na vida.

Eu já tinha certa inclinação por gostar daquilo que a gente considera sobrenatural, na infância principalmente por bruxas e pelo monstro do lago Ness. Mas foi ali na época do Grito que eu desenvolvi aí uma certa fascinação por fantasmas. Não era só uma curiosidade, eu realmente queria entendê-los e fiz uma mescla de filmes espíritas e de terror como materiais de pesquisa (fica mais pomposo falar assim). É aí que entra uma das pessoas mais importantes para essa história: meu tio Felipe.

Olha, eu cresci numa família meio católica e com ateus, ninguém realmente gostava de filme de terror, era sempre aquele filme que sempre seria ruim e que não vale a pena nem quando a gente quer ver filme ruim. Mas esse meu tio não, ele adorava, talvez porque ele também gostasse dessas coisas misteriosas, talvez por ser divertido, ou até por uma forma de contravenção ao conservadorismo católico que ele foi criado.

O que importa é que em determinado momento dessa passagem da infância para a adolescência nosso programa de férias era ver filmes de terror, dos mais convencionais mesmo. Eu não tinha nenhum olhar muito crítico ou reflexivo, nem mais buscava respostas para meus questionamentos metafísicos, eles eram simplesmente nossa diversão, um dos pilares ali da nossa relação e olha, não poderia ser melhor, porque às vezes é bom só ter algo divertido mesmo.

Quando eu fui ficando mais velha eu dei uma certa abandonada porque eu queria ser uma adolescente intelectual (adolescência né? Quem não erra). Ainda víamos, mas eu não procurava tanto, achava meio bobo e como ele era essa pessoa muito de pesquisar essas coisas sobrenaturais, ver aqueles programas do history, eu comecei a achar aquilo tudo muito pouco “elevado” inconscientemente. Não é que a gente não assistisse mais, mas não tinha mais aquele sentido de antes. Eu segui um pouco na vibe entender o mundo místico, dessa vez numa pegada mais pagã e ocultista (uma prima minha dizia que sempre tem a adolescente que resolve virar wicca e foi por aí mesmo, eu era essa adolescente). Procurei sanar esse meu interesse pelo oculto através de algum tipo de fé.

Aí veio o grande abre alas do meu retorno ao terror: A Bruxa. Não é porque a gente debocha de filme de terror cult que a gente não ama. Pouco antes do lançamento no Brasil eu já tinha feito todas as pesquisas possíveis e impossíveis sobre o filme, assisti entrevistas como o diretor (o Robert Eggers, por quem eu tenho uma admiração real) e quando saiu eu virei uma apaixonada convicta, testemunha de Black Phillip, até hoje uma das minhas representações de bruxaria e do mal preferidas, mas vou deixar para fazer considerações emocionadas em outro momento. Lembrei que realmente gostava desse negócio e parti para algumas séries: Penny Dreadful, Scream, etc. Eu e meu tio seguimos vendo filmes de terror nas férias e parecia que algumas coisas estavam voltando ao seu lugar.

Saltando um pouco no tempo, vamos para o final de 2019 quando esse meu tio morreu. Não quero muito falar do luto, ou do espaço impreenchível que fica quando alguém sai de vez de nossa vida. Mas o fato de ele ter morrido é determinante na decisão que eu estou explicando para vocês. Talvez se você tenha perdido alguém você entenda que a gente vai buscando criar conexões entre o que a gente é hoje e o que a gente era quando essa pessoa estava com a gente. Bem, considerações feitas, vou voltar a história. Nessa das conexões assisti a série do Drácula da BBC, já que o filme do Drácula de 92 era um dos preferidos dele e gostei demais, aquela sementinha do terror estava sendo plantada. Pequeno comentário: acho essa série incrível e queria muito que mais pessoas assistissem.

2020, pandemia, todo mundo sabe o que aconteceu, resolvi rever uma das coisas que mais assistimos juntos e que eu gostava muito, com certo receio de me decepcionar com meu gosto do passado. Mas, sorte que dei uma chance e me lembrei que Sobrenatural é minha série preferida. De 2020 a 2021 assisti todas as 15 temporadas com MUITA empolgação, chorei no final, cantava Carry on my wayward son toda vez que aparecia e já estou me planejando para reassistir. Não apenas pela Juliana que já existiu, Sobrenatural foi uma forma muito boa de me lembrar um pouco de quem eu era. Mas, ainda faltava um pouco para eu chegar no ponto que estou tentando chegar.

Em 2021 estava passando por um processo profundo de autorreflexão, comecei a fazer análise e quem fez/faz sabe como é. No meio disso saiu a trilogia Rua do Medo (que também vamos falar por aqui) e enfim, gostei bastante, me trouxe toda aquela sensação de assistir filmes nas férias e quis dar uma procurada em lançamentos interessantes que tivessem saído naquele hiato entre A Bruxa e 2021 (sem contar com O Farol, que não perdi por nada). Fiz uma pequena lista e me deu um estalo: “e se eu visse todos os maiores filmes de terror de todos os tempos e fizesse minha própria lista de maiores filmes de terror de todos os tempos?”.

Começou então toda uma saga para entender o terror, recuperar o tempo perdido, conhecer referências, procurar onde assistir, seja streaming ou métodos alternativos, escutar podcasts, até artigos sobre como o medo se transforma. Sabe quando você se dá conta que é totalmente apaixonada por algo?. E é isso que estou fazendo, assistindo filmes de terror e fazendo considerações, mas gastei tanto tempo que queria registrar e compartilhar. Eu não quero fazer algo definitivo, agir como se eu fosse uma entendida de cinema, eu só quero me dedicar a essa coisa de assistir filmes de terror que é tão importante na minha história. Compartilhar essa minha trajetória e opiniões.

Mais do que um exercício nostálgico do resgate ali dos verões da adolescência, uma ponte com alguém que já passou, eu fui reconhecendo e me conectando com uma beleza que acho muito ímpar nesse tipo de filme. Primeiro porque a gente está falando do gênero menos prestigiado do cinema e não acho que isso seja só porque de fato a gente tenha uma leva de filmes de qualidade duvidosa.

Os filmes de terror trabalham, principalmente, com essa ideia de Mal, que já é algo desconfortável por si só. É um gênero que explicita essa ideia que nem tudo é bom que nós como sociedade temos muita dificuldade de lidar. Pensando assim em comparação com filmes de ação que também caem muito nessa coisa de não serem bons (e olha que não vamos nem entrar no mérito de o que faz um filme bom), eles trazem, no geral, uma das coisas que é cultivada que é um ideal moral, um heroísmo. De certa forma, os filmes de ação estão ali nos educando sobre os valores que vão nos tornar reconhecidos (mocinhos) e rechaçados (vilões). Os filmes de terror, lógico, refletem os valores da sociedade, mas trabalham isso a partir desse desconforto de o que está nas sombras e não queremos lidar.

Seja com medo, tensão, ou apenas referências daquilo que é mau, o terror nos coloca em uma posição que ninguém quer: de vulnerabilidade, de se deparar com a finitude da existência humana. Não à toa muitos filmes colocam o mal vencendo. Dos mais questionáveis, aos mais reconhecidos, o terror nos coloca sempre como vulneráveis diante de forças que não somos capazes de controlar e, no geral, a gente gosta de sentir que tem certo controle sobre o nosso redor.

Dentre muitas coisas, isso quer dizer que os filmes de terror circulam à margem do que é aceito e encorajado no universo cinematográfico. Quantos filmes de terror participam da cerimônia do Oscar? O não lugar que eles ocupam vai diametralmente contra o que é pregado como o modelo a ser seguido, acho que não existe nada mais oposto (dentro do universo de filmes) à família típica de comercial de margarina que um filme de terror, por maior que seja sua bilheteria ou por mais reconhecido em festivais independentes que seja.

Por circular sempre à margem, são filmes que sempre tiveram um apelo grande para grupos que também sempre estiveram à margem, como mulheres e LGBTs. Cabe dizer aqui que o gênero é pioneiro no protagonismo feminino, tudo bem que por muitas vezes estereotipado, mas é sempre melhor criticar algo por poder melhorar do que por não fazer. Apesar da violência, desconforto, os filmes de terror sempre foram espaços de encontro para essas pessoas.

E acho que por uma soma desses fatores todos que falei por aqui eu resolvi me dedicar a isso nos próximos períodos. Poder parar, assistir, escrever minhas impressões, buscar outros pontos de vista tem me trazido uma sensação muito grande de realização e tem sido um prazer começar a compartilhar isso com outras pessoas.

Você pode ler os comentários dos filmes aqui:

Pânico

Maligno

O Massacre da Serra Elétrica

Lamb

O Homem do Norte

Noite dos Mortos Vivos

Nope

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Juliana Auler

Formada em português, militante, tentando sobreviver nesse capitalismo tardio (taurina com sol e lua em touro e ascendente em gêmeos pra quem se interessar)