A maior franquia do terror de todos os tempos

Juliana Auler
13 min readJan 14, 2022

(SIM, TEMOS SPOILERS DA SAGA TODA)

Hoje é 13/01/2022 e não poderia ter dia melhor para começar a falar de filmes de terror, já que hoje, simplesmente, foi a estreia brasileira do quinto filme da maior das franquias do horror de todos os tempos: Pânico (Scream pra quem quiser aí ser internacional). Então, bora lá, por que é bom?

Primeiro porque Pânico faz uma das coisas mais geniais que eu já vi pensando em filmes (OBS: esse texto NÃO vai tentar ser imparcial), e o que eu quero dizer com isso é que além de um filme divertido, com cenas de tensão e violência, Pânico faz um processo de reflexão crítica sobre como os filmes de terror foram e são feitos, trazendo não só novas formas, mas também homenagem ao que veio antes. Não é tão simples assim fazer uma crítica não apenas no discurso, mas colocando em prática e ao mesmo tempo reconhecendo que a franquia só faz isso por causa dos que vieram antes dela (no maior estilo Isaac Newton: “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.”)

Isso não é uma grande surpresa sabendo que ela foi dirigida (pelo menos os 4 primeiros filmes) por Wes Craven, um dos grandes nomes dos filmes de terror, criador, apenas, de Pânico e Hora do Pesadelo, além de roteirizado pelo Kevin Williamson, que fez os roteiros dos filmes 1,2 e 4, Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado e algumas séries (The Vampire Diaries, Dawson’s Creek, The Following, entre outras). Ou seja, dois grandes pilares do que temos de filmes de terror hoje. A história foi criada pelo Williamson, um fã de filmes de terror, que quis criar seu próprio slasher.

Não é à toa que Pânico e o Ghostface (fantasia usada pelos assassinos) são grandes símbolos da cultura pop, acho que não é um exagero dizer que boa parte das pessoas pelo menos já viu o Ghostface em alguma coisa, sem falar da famosa franquia de paródias Todo Mundo em Pânico, que foi MUITO famosa na minha infância e que eu inclusive conheci antes da franquia original. Tem também a série da Netflix que é fraca, mas serve ali de entretenimento de qualidade duvidosa (que atire a primeira pedra quem nunca procurou um entretenimento assim).

O Ghostface para quem não reconheceu só citando o nome

Pânico 1

Falando um pouco dos filmes agora, temos o lançamento do primeiro em 1996, perto do Natal, uma época que não era especialmente propícia para filmes de terror. Muito menos dos slashers que estavam em ampla decadência — tiveram seu boom na década de 80 e com fórmulas fáceis e alta rentabilidade, acabaram se saturando. É nesse cenário que o slasher escrito por Williamson foi apresentado para o público.

Pânico mostra já a que veio na cena de abertura, na qual conhecemos a personagem Casey (interpretada por Drew Barrymore, a atriz mais conhecida do filme), que todo mundo esperava que fosse a principal. Logo ela recebe uma ligação estranha de um fanático por filmes de terror e, além de uma chuva de referências, temos uma mudança de tom muito rápida, o que era uma ligação que parecia um flerte leve e desajeitado, vira uma ameaça que não sabemos de onde vem. Nos primeiros minutos temos um assassinato sem pena de Casey e seu namorado Steve, numa sequência que vai de momento em momento colocando nos apresentando a um assassino rápido, violento, humano.

Depois, somos apresentados aos protagonistas, Sidney (nossa final girl); seu namorado, Billy, seu amigo fanático por terror Randy; sua melhor amiga Tatum, o quase namorado da Tatum, Stu; o irmão de Tatum, o policial Dewey. e Gale, uma repórter megera (não tem outra palavra). Sidney é atormentada pelo assassinato de sua mãe um ano antes (e também pela Gale que é cismada em defender o sujeito que a Sidney acusou) e essa nova onda de assassinatos pesa muito para ela.

Sem tantos detalhes de como o filme vai se desenrolando (já que é bastante fácil encontrar um resumo por aí), vamos falar um pouquinho de como o primeiro filme vai fazer com que ele não seja só mais um slasher, mas a renovação aí desse subgênero é um gás pro terror como um todo. Nos slashers antes dele (Halloween, Sexta Feira 13, Hora do Pesadelo, Massacre da Serra Elétrica, etc etc), além de uma fórmula rápida para faturar, a gente tinha ali uma moral conservadora presente. Basicamente a ideia era que a menina boazinha sobrevivesse e os adolescentes que transassem ou usassem drogas seriam mortos um por um por um assassino implacável. Em resumo, um doido vai te perseguir se você se comportar mal. Aí uma série de arquétipos vão sendo construídos por essas franquias anteriores: a boazinha, os “burros que morrem rápido”, os machões salvadores…

Dá para dizer que temos duas final girls, Sidney, que desde o primeiro contato com o ghostface desafia ele, debocha, faz algumas dessas coisas que fariam os jovens morrerem (já explico isso melhor) e Gale, que como falei é uma megera, nenhuma delas está ali para te lembrar de ser uma garota boazinha indefesa e praticamente sem personalidade. As duas, junto com a Tatum, são, na verdade, as que mais enfrentam o assassino, o que é um ponto super alto pensando a representação feminina no cinema. Dewey, o policial, não é o grande representante da masculinidade, mas doce, gentil, um pouco atrapalhado. Temos Randy também que não é um homem salvador, mais meio nerdão e obcecado por filmes de terror.

E não dá para falar de Pânico sem falar da bendita metalinguagem, o filme fala o tempo todo fala filmes de terror e sobre fazer filmes de terror , traz referências explícitas a clássicos, debocha de algumas fórmulas anteriores, temos até cenas em que o Randy explica as regras para sobreviver (-Não transar; — Não consumir drogas e álcool, — Não dizer até logo) e como forma de subverter isso, os que sobrevivem acabam descumprindo todas as regras no ato em que essas regras são explicitadas.

No final os assassinos (Stu e Billy) são revelados e uma série de coisas faz esse plot ser impactante: temos cenas que vão fazendo a gente acreditar no Billy (namorado da Sidney), já que ele é incriminado em determinado momento do filme e logo depois inocentado (o que faz a gente perder a desconfiança nele); os dois não tem uma grande motivação, eles são só cruéis mesmo e, acho que uma das coisas mais aterrorizantes, eles são pessoas próximas das vítimas, traz a sensação de que nosso círculo pessoal não é tão seguro assim, o que é bem pior do que os assassinos desumanizados das franquias anteriores.

Pânico estabelece uma nova forma de matar, apesar da violência e tensão, não é sobre uma espetacularização da violência, de alguma forma, os personagens são construídos de maneira que a gente sinta empatia por eles, as mortes são sofridas para nós espectadores porque são pessoas, não apenas adolescentes vazios que morreram.

E, tudo isso, essa desconstrução, revitalização e tributo ao gênero do horror sem ser pedante, sem sentimento de superioridade, pelo contrário, pânico é um filme super divertido de assistir. Como disse Neve Campbell (nossa Sidney Prescott): “Uma das razões pelas quais Pânico foi tão bem na época foi porque era uma nova reinvenção do gênero. O fato de que ele deu uma olhada no gênero em si enquanto ainda alimentava o público com os grandes sustos clássicos era novo e empolgante. É engraçado, inteligente e assustador. Não é uma combinação fácil de acertar,” para o The Hollywood Reporter.

Pânico 2

Em 1997, estreia o segundo filme da franquia e precisamos falar da abertura. A cena inicial se passa na estreia de um filme chamado Facada, que conta os acontecimentos do primeiro filme de Pânico a partir do livro que a Gale fez (a metalinguagem gritando aqui). Os protagonistas são um casal negro que em sua conversa vai traçando várias críticas a como os slashers e o cinema tratam as pessoas negras (é uma pena que a crítica fique apenas aí na abertura, sem se aprofundar). O cinema está lotado de pessoas vestidas de ghostface, o que retrata aí um pouco da repercussão de Pânico mesmo. Essa euforia com a violência do filme faz que que os espectadores nem reparem que a mulher do casal é assassinada na frente de todos eles, parece apenas mais uma encenação de fã. Isso é particularmente marcante porque o segundo filme como um todo discute como o público se relaciona com esses filmes e, principalmente, se filmes podem ser culpados pela violência humana.

Temos nesse filme a volta dos 4 sobreviventes principais, uma Sidney traumatizada já na faculdade, junto com Randy, que segue cinéfilo. Gale é ainda mias ambiciosa, tendo lançado um livro e sendo responsável pelo lançamento de facada (ah, temos lá no filme 1 o fato do sujeito acusado de assassinar a mãe da Sidney, o Cotton, ser inocentado, que era uma pauta da Gale) e o Dewey ferido, tanto porque ele quase foi morto no primeiro filme, quanto porque ele tava ali afim da Gale e a relação acabou não indo para frente.

O assassino vai se mostrando mais cruel nesse segundo filme (uma das regras de sequência explicadas pelo Randy), mas de forma geral, ele mantém o que o primeiro filme fez: piadas metalinguísticas, tensão nas horas certas, assassinatos que pesam. Acredito que o filme começa a se mostrar mais a partir do momento que o Randy morre, o que era totalmente inesperado, já que a gente parte do pressuposto que um dos protagonistas vai sobreviver. A tensão vai só aumentando a partir daí, temos sequências daquelas que a gente sofre mesmo até a revelação dos assassinos, o Mickey, um jovem próximo da Sidney que quer acusar os filmes de tornarem ele violento (o que o próprio filme trata como se fosse “nada a ver”) e a mãe do Billy, que foi morto pela Sidney lá no primeiro filme, que manipulou o Billy a ajudar ela, apesar de achar aquele motivo dele um tanto quanto estúpido.

Para mim, Pânico 2 não trouxe aquele impacto do primeiro filme, mas foi uma sequência à altura.

Pânico 3

Em 2000 nasce o filho renegado da franquia. Mas vamos passar um grande pano porque não é como se fosse uma sequência que manda o Ghostface para um cenário espacial. Neste a metalinguagem é mais explícita, já que ele é passado em Holywood no set de filmagem de um dos filmes de Facada.

Pânico 3 foi o primeiro a não ser roteirizado pelo Kevin Williamson, o que fez ele destoar dos filmes anteriores. As referências e momentos metalinguísticos são menos sutis, além de algumas coisas que não caberiam muito nos dois primeiros filmes. Parece que nada orna muito bem, que as peças não estão bem encaixadas, mas, cabe dizer, que os personagens principais (Sidney, Gale e Dewey) são até que bem trabalhados. Também temos coisas muito fracas, como a revelação do assassino (um irmão perdido da Sidney que nem foi relevante ao longo do filme) e uma volta forçadíssima do Randy através de uma fita que ele deixou.

Não poderia deixar de dizer que ,mesmo que não seja o tema central desse filme, ele fala de alguns problemas das produções hollywoodianas e um deles é o assédio, principalmente com atrizes mais jovens e iniciantes nesse mercado. O movimento Me Too, que denunciou uma série de assédios cometidos por nomes poderosos do cinema estadunidense, surgiu só em 2017, então é extremamente relevante a gente ter um filme como Pânico já abordando isso anos antes de uma grande repercussão das denúncias.

Pânico 4

Falo com tranquilidade que Pânico 4 foi a surpresa mais positiva que tive com a franquia, vi recentemente e a expectativa estava lá embaixo, já que seria muito difícil trazer algo que voltasse a qualidade, e não que é o filme de 2011 fez isso com maestria?

A abertura já é um espetáculo, porque começa como uma cena genérica, como a abertura do primeiro filme, mas é uma cena de Facada, aí corta para duas meninas assistindo a cena, mas essas duas meninas também estão em um filme de Facada, até que vai para as assassinadas reais. (aliás, você pode ver essa obra de arte aqui)

O filme volta para Woodsboro e tem uma energia bem parecida com o primeiro filme, tem um grupo de amigos adolescentes que conheciam as vítimas. A que é apresentada para a gente como principal é a Jill, que éprima da Sidney. Os arquétipos são bem próximos do Pânico 1, no geral. Temos também a volta a própria Sidney, lançando um livro sobre sua experiência sobrevivendo a assassinos, que encontra Dewey e Gale, que estão casados e vivendo uma vida até tranquila em Woodsboro.

O filme vai trazendo uma nostalgia do primeiro, ao mesmo tempo que novas coisas vão acontecendo, ele tira sarro de si mesmo e algumas das coisas muito anos 90 da franquia, as mortes são bem mais brutais e nessa nova parte da história, o filme questiona um pouco uma onda do início dos anos 2000 de reboots.

Agora, uma das melhores coisas é o plot dos assassinos, que são Charlie, que seria o Randy do primeiro filme, já que ele é o nerd de filmes de terror, e a Jill, prima da Sidney, que o restante do filme era tratada como sua equivalente. Jill é a arquiteta por trás das mortes desse filme (incluindo a própria mãe) por querer seus 15 minutos de fama, que é uma das discussões desse filme. O terceiro ato desse filme é para mim o melhor da franquia, porque além de inesperada a revelação dos assassinos, ele é construído de um jeito que parece que os assassinos são mais frios, a traição mais profunda.

Falar sobre suas qualidades ficaria um pouco repetitivo, mas Pânico 4 trouxe uma originalidade ímpar ao recriar a história do primeiro filme, fazendo auto referências e novas subversões (sério, o que é aquela abertura?)

Pânico 5

Para finalizar, vamos falar desse último filme que literalmente acabei de ver e já considero pacas. Essa vai ser uma versão 100% emocionada, porque é como me encontro.

As expectativas estavam lá embaixo, pois é o primeiro filme sem Wes Craven (que já partiu para a eternidade, como dizia minha tia avó) e sem o Kevin Williamson, li também em algum lugar (desculpe o “estava lendo em meu face”) que teria menos metalinguagem, que para mim é uma cartada certeira da franquia.

Pois bem, Pânico 5 faz um pouco o que o 4 faz, pois é uma homenagem à franquia e ao Wes Craven (é dedicado a ele). Dessa vez, a temática do filme é a relação dos fãs com as franquias, que é um debate que reflete muito nossa atualidade e também um pouco do processo de criação do filme, já que os novos diretores e roteiristas já eram fãs de Pânico. O filme se mostrou muito eficiente em pegar as principais coisas da franquia e transformar num novo capítulo, o que não é tão fácil para uma franquia tão aclamada e que já faz muita auto referência.

Além disso, ele dá uma questionada nesse chamado “pós-terror”, que não é uma nomenclatura que eu gosto, que é essa onda de filmes de terror mais sofisticados e que trazem esse distanciamento (nós, os bons filmes e o resto), essa sátira é feita o tempo todo, não de forma a desmerecer os filmes, mas essa suposta superioridade, já que Pânico é uma crítica e um tributo ao terror mais convencional (apesar de eu amar vários filmes dessa leva, tenho que concordar que esse sentimento de superioridade é insuportável). Outra reflexão é sobre o uso indiscriminado de jumpscares, tanto nas falas como na construção cênica, já que em alguns momentos parece que um jumpscare vai ser inserido, mas não vem, aumentando aí nossa tensão.

Não poderia não falar do sentimento desolador que vem na morte do Dewey, que já vinha sobrevivendo nos últimos filmes (até no primeiro, parece que ele morre, mas volta no segundo). A sensação que tudo pode acontecer faz com que a gente se sinta aterrorizado pela quebra da segurança que a presença desses sobreviventes traz. Fora que o Dewey era meu personagem preferido dos três protagonistas.

Pânico 5 soube combinar a metalinguagem, o clima divertido, a tensão e tantos outros símbolos dessa franquia, além de algumas tirações de sarro com ele mesmo (uma cena um dos personagens fala que foi Facada 5 que fez a franquia Facada desandar). Enfim, uma grata surpresa para essa pessoa que estava ansiosíssima pela estreia.

Para mim, a franquia toda merece um 5/5, já que revitalizou o terror, marcou o imaginário coletivo com a imagem do ghostface e mais um zilhão de elogios. Não quer dizer que todos os filmes mereçam 5, mas uma franquia é mais que a média de nota dos 5 filmes. A título de curiosidade eu faria o seguinte ranking

  1. Pânico 1–5/5
  2. Pânico 4–5/5
  3. Pânico 2–4/5
  4. Pânico 5–4/5
  5. Pânico 3–3/5

É legal pensar o quanto Pânico conseguiu honrar o que foi feito antes dele e propor mudanças, não é à toa que todo mundo se refere a ele como essa renovação para o terror. Filme de terror é sempre aquele gênero que é tratado filme ruim, inferior e ainda temos hoje todo um movimento de pessoas que gostam de filmes de terror, mas não dos convencionais. Para mim o que o Craven e o Williamson propuseram como essa reflexão sobre o terror é genial por não colocar em nenhum momento o terror mais convencional como algo “ruim”, mas uma proposta apaixonada de como mantê-lo vivo. Acho que antes de qualquer coisa, a franquia Pânico é uma declaração de amor ao terror.

Onde assistir Pânico (para quem é do streaming, pessoal dos métodos alternativos sabe se virar)

  • Paramount+
  • Globoplay
“Há certas regras que devem ser cumpridas para poder sobreviver com êxito em final de terror”

Espero que se você, caso ainda não seja, também se apaixone por essa franquia que trata o terror com tanto carinho.

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Juliana Auler

Formada em português, militante, tentando sobreviver nesse capitalismo tardio (taurina com sol e lua em touro e ascendente em gêmeos pra quem se interessar)